quarta-feira, 22 de abril de 2020

A saber de Lisboa



Em Lisboa já se sabe
o Tejo é lume
que ilumina a madrugada
dos amores
a Sé ergue até ao Céu
vício e ciúme
e a Ribeira é o castelo
dos sabores

Em Lisboa já se sabe
há uma ponte
que são duas avistando
um cacilheiro
a singrar por  entre as ondas
do cansaço
de quem vem já atrasado
do Barreiro

Em Lisboa já se sabe
há sempre um gato
que apregoa p’los telhados
o Janeiro
e uma boca a segredar
que veio nua
à varanda a vizinha
do primeiro

Em Lisboa já se sabe
vive um puto
a fintar o mundo inteiro
p’las esquinas
e azulejos onde moram
sorridentes
São Vicente Santo António
e as varinas

Em Lisboa já se sabe
há mil gaivotas
e mil pombos mil pardais
mil andorinhas,
que num golpe d’asa varrem
mil derrotas
para dentro do braseiro
das sardinhas

Em Lisboa já se sabe
a lua paira
por detrás do reposteiro
do horizonte
sobre o carreiro furtivo
de quem vai
a esgueirar-se p’la viela
ali defronte

Em Lisboa já se sabe
cada rua
é um novelo de passos
de ninguém
e nas fendas da calçada
nascem  flores
que por vezes nos dão ares
de ser alguém

Em Lisboa já se sabe
há um poeta
a beber pelos cafés
a sua sombra
e o fantasma do futuro
que nos cerca
com a vela de um navio
que nos assombra

Em Lisboa já se sabe
há uma voz
que a guitarra não permite
sossegar
a lembrar o que será
de todos nós
na cidade que ainda está
por inventar

E tudo o mais que há
sem nunca haver
todo o mal e todo o bem
e o que não cabe
mas nos cabe no viver
e no morrer
há e cabe em Lisboa
já se sabe

Sem comentários: